Tornar – se pedra

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Esses dias uma amiga minha socorreu uma moça que estava passando mal no metrô. Ela ficou chocada porque em um vagão cheio, apenas ela e uma outra senhora se dispuseram a ajudar quando a moça caiu, semi – inconsciente no chão. Os outros ignoraram ou tiraram sarro.

Há mais ou menos um ano eu sofri uma queda feia andando pela Paulista. Tive uma torção séria no pé. Um amigo se ofereceu pra me buscar e me levar pra casa, mas ele estava longe, demorou pra chegar. Fiquei sentada esperando, chorando de dor. Era um dia de muito movimento na Paulista, por causa de um evento, as pessoas passavam, me olhavam e fingiam não perceber. Quando meu amigo chegou, precisei de ajuda para entrar no carro. Três pessoas me ignoraram completamente antes de um rapaz resolver me ajudar.

Escrevo sempre aqui falando de amor. Inclusive já falei da necessidade de espalharmos amor para que ele nos encontre.Já falei aqui da necessidade de distribuir o amor além do relacionamento romântico. Da necessidade do não endurecer. Se não conseguimos enxergar o amor à nossa volta, se não conseguimos nos colocar no lugar do outro, como amar um parceiro de verdade? Você quer alguém com você por inteiro ou apenas pra dizer que não está sozinho? Você é capaz de enxergar mesmo seu parceiro, seus amigos e não apenas querer que eles supram as suas necessidades, custe o que custar? Você é capaz de se doar na mesma medida em que exige?

O mundo quer que nos tornemos pedra. Não faltam motivos pra nos fecharmos dentro de um casulo, quentinhos e confortáveis, sem precisar olhar pro lado, mas o preço a pagar é muito alto. Pode parecer ingenuidade minha, mas ainda prefiro ser capaz de enxergar o outro ser humano do meu lado. A falsa sensação de segurança do ser pedra só esconde o enorme vazio dentro do peito de quem nunca se permite se entregar. Ao se doar um pouco pro outro, ganhamos mais do que imaginamos. Uma palavra gentil, um cuidado, um apoio, parar um segundo para ajudar a quem precisa pode ser muito simples. E pode mudar a vida de alguém.

Eu não sei quando foi que perdemos o nosso sentido de comunidade, mas sei que isso contamina também as nossas relações pessoais. Se você é incapaz de ter empatia pelo outro, pelo desconhecido, vai perdendo a capacidade de ter empatia por quem está ao seu lado. E absurdamente, confundimos frieza e egoísmo com força. O amor perde a característica principal, a troca e se torna competição, nessa vontade de ser aquele que “fica por cima”. Ficamos frustrados, solitários, doentes. Perdemos a oportunidade de viver coisas deliciosas e machucados achamos que devemos nos fechar e isolar ainda mais. E quando o outro grita por ajuda, ficamos incapazes de nos mover, sem perceber que dessa maneira, nossos gritos também nunca serão ouvidos.

A conta não fechará nunca dessa forma. Nos tornaremos ressentidos, duros, insensíveis. “Mas por que eu tenho que fazer algo por alguém? Se fosse eu, aposto que ninguém ajudaria!” E não entendemos porque o mundo nos machuca, porque os sentimentos parecem se esvaziar e as relações ficam cada vez mais descartáveis. Esse vazio interno que não passa não é apenas a vontade de receber, mas principalmente o medo de se doar.

Sim, nem todos irão agradecer os seus esforços ou mesmo aceitar sua ajuda. Ofereça mesmo assim, ajude mesmo assim. Sim, em alguns momentos você irá se machucar, porque ser de verdade assusta quem tem medo de si mesmo. Seja mesmo assim. Saber que não virou pedra em um mundo tão duro é um privilégio. Não existe solidão maior do que a daquele que só enxerga a si mesmo.